Em crimes de grande repercussão, são as versões da polícia e do Ministério Público que têm mais espaço na imprensa. Mas é no tribunal do júri que a defesa tem sua melhor chance, pois é quando a defesa do réu em espaço para apresentar suas razões e argumentos. A avaliação é da criminalista Roselle Soglio, experimentada em lidar com a influência da imprensa contra seus clientes.
Entre os mais rumorosos casos da crônica policial, Roselle já atuou em defesa do casal Nardoni (acusados de matar a filha de Alexandre Nardoni, Isabella) e de Elize Matsunaga (que confessou ter assassinado o marido, Marcos Matsunaga). A força midiática é tão grande que os advogados de defesa são confundidos com os réus: “A população passa a querer bater em você”, diz.
Ela também trabalhou para a família Pesseghini. Em 2013, um casal de policiais militares, o filho deles, a mãe da mulher e sua irmã foram encontrados mortos na casa onde moravam, em São Paulo. A Polícia Civil concluiu que Marcelo Pesseghini, de 13 anos, assassinou todos eles e depois se suicidou. Por isso, o inquérito foi arquivado e a família tenta reabrir o caso.
No caso do casal Nardoni, ela avalia que o casal estava condenado antes mesmo de serem julgados. Foram nas mesmas circunstâncias que Elize Matsunaga chegou para julgamento. Mas ela e os outros advogados de defesa convenceram os jurados que a ré não matou o marido por motivo torpe nem usou meio cruel. Assim, a condenação de 33 anos de prisão pedida pelo Ministério Público caiu para 19 anos e 11 meses de reclusão.
Ao todo, Roselle já participou de 15 júris e considera-se vitoriosa em pelo menos oito deles. Mas “vitória”, nesses casos, não é sinônimo de absolvição. A exclusão das qualificadoras e a redução da pena em relação ao que foi requerido pelo Ministério Público no caso Elize Matsunaga é um exemplo de como a defesa criminal pode ter métricas heterodoxas de sucesso — algo completamente fora do radar da opinião pública.
O primeiro júri em que atuou trava de uma acusação de homicídio triplamente qualificado. No caso, uma grávida de sete meses passou a ser assediada por seu vizinho. Ela narrou as cantadas ao seu marido, que foi tirar satisfações com o então amigo do casal. No meio da discussão, este homem disse que a mulher do outro “era gostosa mesmo”. Inflamado, o marido pegou uma faca e matou o vizinho com seis golpes.
O promotor do caso, Roberto Tardelli, o mais duro que já enfrentou, alegou que o réu tinha planejado o crime. Mas Roselle sustentou que ele cometera o homicídio em legítima defesa, até porque o vizinho também o havia atacado. Os jurados concordaram com a defesa, e o acusado foi absolvido.
Outra vitória que marcou a advogada ocorreu em uma ação por aborto. Para evitar ser mãe solteira, uma mulher foi a uma clínica clandestina, onde foi convencida pelo médico a interromper a gestação de oito meses. Porém, ela foi descoberta e processada. No júri, Roselle demonstrou a fragilidade emocional da ré, que chegou a tentar o suicídio, e ela foi inocentada. Católica praticante, a criminalista defende a legalização do aborto.
Embora atue em diversos campos do Direito Penal, os crimes contra a vida são “a menina dos olhos” de Roselle. Especialmente pelo aspecto sociológico de tais delitos. “O homicídio é um crime democrático – qualquer um pode cometê-lo em um momento de descontrole”, opina, ressaltando que outros crimes, como roubo e furto, são geralmente praticados por pobres. Da mesma forma, ela considera que o julgamento pelo júri é mais democrático do que o feito por um juiz, que é mais técnico.
No caso da escolha dos jurados (acusação e defesa podem vetar três candidatos sem explicar motivos), há diversas estratégias para selecionar quem votaria de forma mais favorável a seu cliente. Dependendo das circunstâncias do caso, os integrantes do júri são filtrados por sua etnia, gênero ou nível social.
Roselle Soglio baseia suas escolhas na profissão das pessoas. Em casos em que a defesa é amparada por argumentos periciais, ela prefere aqueles que trabalham em áreas mais técnicas, pois eles, em tese, têm mais chances de entender as alegações.
Para ser bom de júri, recomenda Roselle, um advogado tem que ir além do Processo Penal e conhecer psicologia e oratória. Isso porque crimes contra a vida deixam os sentimentos dos réus, familiares das vítimas, testemunhas e jurados à flor da pele. Entender a mente humana é requisito para se extrair respostas mais favoráveis dos interrogados, e que ajudem a montar um quadro favorável à defesa.
Saber falar na sessão de julgamento é uma qualidade para atrair a simpatia dos jurados, que, ao contrário dos magistrados, não se fixam unicamente nos argumentos jurídicos: o que vale mais é a narrativa. Roselle explica que um advogado que saiba demonstrar que seu cliente é inocente ou não merece a pena pretendida pela acusação tem mais chances de convencer o corpo de júri.
A criminalista começa a ensaiar sua apresentação 15 dias antes do início do julgamento — nunca para uma plateia, contudo. A preparação é feita em frente ao espelho, para que a advogada possa analisar suas expressões, a forma de encarar seu cliente, testemunhas e jurados, e fazer um ajuste fino para evitar soar muito agressiva ou muito dócil. Depois de chegar a um tom ideal, Roselle se reúne com sua equipe para dividir o tempo de fala de cada um.
Tal como qualquer julgamento de crime de grande repercussão, o de Elize Matsunaga teve troca de farpas entre acusação e defesa. O embate entre a advogada da ré Roselle Soglio e o promotor de Justiça José Carlos Cosenzo, porém, foi mais intenso do que o normal. Resultado de temperamentos, estratégias e características físicas diametralmente opostas.
O promotor é piadista, mas esquentado. Frequentemente irritava-se durante os interrogatórios de testemunhas, e oferecia respostas atravessadas aos advogados que o questionava. A criminalista, por sua vez, não mudava seu tom de voz no Plenário do Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, e mantinha um semblante sério.
Cosenzo tem o costume de iniciar a inquirição de uma testemunha atenciosamente, procurando fazer a pessoa se sentir confortável. Em seguida, ele passa a aplicar o método de fazer uma pergunta mais ampla para a testemunha. Diante de uma resposta negativa, divide a indagação em diversas perguntas específicas até extrair do depoente a resposta que deseja. Isso sempre de seu lugar na tribuna, em pé.
Já Roselle direciona a maioria de suas perguntas para assuntos periciais. Ela fica a um passo da testemunha, um braço cruzado sob o outro, cuja mão segura o microfone. E olhando-a de cima para baixo. Com 1,76m, alongada por saltos de pelo menos 10 centímetros, a advogada quase sempre é a mais alta do julgamento.
Aparentando ter menos de 1,70m, o promotor fica consideravelmente menor do que Roselle Soglio no plenário. Em uma audiência de instrução do caso de Elize Matsunaga, ele acusou a criminalista de usar saltos altíssimos de propósito, para aumentar sua imponência. À ConJur, Roselle nega essa intenção. “Esse é o meu estilo. Eu sempre gostei de salto. Se você me encontrar no meio da madrugada, verá que estarei de salto”.
Mesmo que essa tática não seja planejada, a advogada diz que estuda linguagem corporal para aumentar o poder de influência sobre os jurados. Para causar uma boa impressão, não dá para ser agressivo, afirma: “Incisivo, sim, mas sem perder a razão”. Ela também aconselha não demonstrar cansaço — “por mais que você esteja morrendo”.
Outra estratégia usada por Roselle no julgamento de Elize era a de intimidar sem dizer uma palavra. Por vezes, enquanto a acusação inquiria uma testemunha, a advogada atravessava lentamente o palco, postando-se num dos cantos, de braços cruzados e encarando o questionador. Às vezes, balançava a cabeça demonstrando seu descontentamento com algo — o que atraía imediatamente uma alfinetada de Cosenzo.
O processo do casal Nardoni foi outro caso amplamente explorado pela imprensa em que Roselle trabalhou. Ela ingressou na defesa de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá a convite de Roberto Podval. Sua atribuição era contestar as perícias.
Além de advogada, Roselle Soglio é perita habilitada no Brasil e na Itália, onde fez pós-graduação na área. Ela também é mestre e doutoranda em História da Ciência e lamenta a situação no país: “Nunca vi um local de crime preservado decentemente”, lamenta.
O problema, no caso Nardoni, é que o casal já estava condenado na mídia, mesmo sem provas. “O processo se tornou midiático ao extremo, mas de forma seletiva. Nos 28 volumes do processo, não tinha uma única prova contra o casal. E eles estão na cadeia até hoje”.
Apesar de Alexandre Nardoni ter sido condenado a 31 anos, 1 mês e 10 dias de prisão por homicídio triplamente qualificado, e Anna Carolina Jatobá, a 26 anos e 8 meses, a criminalista acredita que os argumentos dela e de Podval geraram uma dúvida nas pessoas.
Fonte: Conjur