04/08/2014 por Roselle Adriane Soglio
Nunca esteve tão em evidência à prova técnica produzida pelos órgãos periciais oficiais, fruto não só das inúmeras séries de televisão que tratam do assunto, mas também, pela crescente conscientização da sociedade sobre a necessidade de que a prova carreada no processo, em especial no penal, tenha maior credibilidade e esteja amparada em bases científicas.
O trabalho técnico-científico consubstanciado no laudo pericial apresentava até pouco tempo como característica primordial o “visum et repertum”, entretanto, tal premissa não é mais admissível, pois, com a evolução tecnológica e a introdução de novas metodologias científicas, os vestígios encontrados no local de crime devem passar por rigoroso critério de avaliação, sendo necessariamente cotejados com os exames laboratoriais pertinentes às amostras coletadas; somente desta forma é que o laudo pericial se prestará ao fim para o qual se destina, ou seja, elemento de materialidade e se possível de autoria(direta ou indireta).
Assim é fundamental que o operador do direito, antes de se desesperar ou comemorar o resultado de um laudo pericial no caso em que está atuando, se atenha àquilo que chamamos de premissas iniciais, a saber:
A cena de crime deve estar isolada e preservada, nos termos em que dispõe os artigos 6º, I e 169 do Código de Processo Penal, praticamente inexiste isolamento e preservação do local de crime no Brasil, mesmo após a chegada do primeiro policial ao local dos fatos. Do mesmo modo é rara a peça técnica que traga considerações sobre as consequências da não preservação do local de crime, apesar da obrigatoriedade constante da lei.
Entretanto, a análise da dinâmica do crime contida no laudo pericial pode trazer ao operador do direito, elementos para questionar a idoneidade do local examinado, dentre eles pode-se citar, por exemplo, a posição em que foram encontrados os projéteis e estojos de arma de fogo, a posição final de imobilização de um veículo em um acidente de trânsito, a inexistência na cena de crime de elemento que seria típico do ato, tais como a arma do crime em caso de suicídio. Enfim, todos os elementos trazidos no laudo podem denotar a inexistência de preservação e o comprometimento dos exames que serão realizados nas amostras ali coletadas.
Além disto, é fundamental a existência de uma rigorosa cadeia de custodia de prova, que nada mais é que um processo cujos procedimentos técnicos e documentais destinam-se a garantir a idoneidade e a preservação das características da prova material (intrínsecas e extrínsecas) coletadas em local de crime.
Com certeza é este o ponto crucial dentro da estrutura da produção da prova técnica (pericial) quer em termos científicos, quer em termos jurídicos.
Em termos científicos, a cadeia de custódia de prova é a garantia de que as amostras coletadas na cena do crime foram feitas por profissional com competência técnico-científica, a fim de não contaminá-las, mantendo-as em condições de ser encaminhadas a laboratório, sem que ocorra sua degradação e que este tenha a garantia de que a amostra a ser processada representa exatamente aquilo que foi encontrado na cena do crime. Garante ainda, após todos os exames criminalísticos que se fizerem necessários, que a amostra se manterá preservada em suas características para eventual reexame. Tais garantias vão desde o controle da lacração das amostras até centros de custódia de provas.
Já em termos jurídicos, o legislador desde a edição do código de processo penal em 1941, se preocupou com a possibilidade de uma amostra coletada em cena de crime ter que ser submetida a um novo exame no curso do processo. Deste modo, previu o legislador no artigo 170 da lei processual penal que “nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia.” Com a alteração introduza no CPP em 2008, o legislador complementou a exigência já existente para as perícias de laboratório, ampliando-as para as perícias em geral, determinando que o material probatório que serviu de base para a perícia seja custodiado no órgão, muito embora não especifique qual o órgão que será responsável para manter esta custódia, ficando implícito que este é o pericial pela própria complexidade e sensibilidade do vestígio coletado.
O operador do direito deve se atentar para possíveis falhas quanto à idoneidade da prova e sua cadeia de custódia. O laudo do local do crime deve obrigatoriamente trazer bem discriminado todos os vestígios coletados no local de crime pelo perito criminal, relacionando-os, embalando-os e lacrando-os, com a indicação expressa do número do lacre de cada amostra. No curso do processamento dessa amostra inicialmente coletada no local e levada a laboratório para análise, este novo laudo/relatório de análise deve obrigatoriamente conter os dados relativos à sua coleta, em especial o número do lacre; o processo de deslacração, análise da amostra e finalmente a nova lacração, sendo que a embalagem e o lacre da embalagem anterior devem ser lacrados juntamente com a amostra. O novo número de lacre deve estar expresso no laudo/relatório de análise. O não cumprimento dos procedimentos acima torna a prova inidônea passível de exclusão dos autos por sua ilicitude, nos termos do artigo 157 do CPP.
Assim, cabe ao Estado garantir a integridade do material probatório, visto que, poderá qualquer das partes requerer que a prova custodiada seja analisada por seu assistente técnico, e, no caso de se encontrar o material “deteriorado”, ou seja, imprestável para a análise, deve o operador do direito arguir do mesmo modo a ilicitude, bem como o cerceamento do direito de defesa.
Quanto à figura do assistente técnico, é por oportuno ressaltar o avanço que o legislador introduziu a norma processual penal, com a possibilidade do concurso de profissionais das mais vastas áreas do conhecimento humano para auxiliar os operadores do direito. Foi-se a época em que o laudo pericial por ter sido elaborado por um “expert” tangia a um dogma inquestionável. Pelo contrário, hoje erigido a trabalho científico, o laudo pericial pode e deve ser contestado, entretanto, se obedecer aos rigores que a própria ciência o impõe, as conclusões se manterão inalteráveis.
O tema perícia comporta inúmeras análises e abre um vasto campo para que os operadores do direito questionem os trabalhos periciais, que ainda carecem e muito, do rigor científico que a sociedade exige.