A USP está testando autópsias minimamente invasivas feitas com ajuda de ultrassom, tomografia e ressonância magnética. A ideia é comparar a eficácia desses métodos com a necropsia convencional (que abre o corpo para analisar os órgãos).
Também será estudada uma “autópsia delivery”, em que o procedimento poderá ser a ser feito no local de morte –numa UTI, por exemplo.
O projeto, pioneiro no país, reúne mais de cem pesquisadores de vários departamentos da USP e conta com o apoio financeiro da Fundação Bill & Melinda Gates (US$ 100 mil) e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que ofereceu R$ 200 mil.
A pesquisa envolve cadáveres de pessoas que morrem de causas não violentas (doenças, por exemplo) e que são encaminhados ao SVOC (Serviço de Verificação de Óbito da Capital). Em geral, elas não tinham um médico que assistiam ou o profissional que as atendeu não estava seguro sobre a causa da morte.
Segundo o patologista Paulo Saldiva, coordenador do projeto e diretor do IEA (Instituto de Estudos Avançados) da USP, os novos métodos devem reduzir a rejeição das pessoas em relação à necropsia convencional.
“Muitas famílias querem preservar o corpo do ente querido e não autorizam a autópsia por ela ser muito invasiva. A ideia é que, com um ultrassom guiado, por exemplo, possamos retirar apenas fragmentos do pulmão, fígado ou de qualquer órgão afetado, sem necessidade de abrir o corpo”, diz Saldiva.
Ele explica que a autópsia é fundamental para determinar as causas de morte com precisão, mas está em desuso no mundo. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 70% do total de mortes no mundo não têm uma causa objetiva atribuída a elas.
Daí o interesse internacional no desenvolvimento de técnicas mais simples e que possam ser levadas a localidades remotas, que hoje não contam com o serviço.
“Há muitas informações na morte. Saber o que a causou é essencial para identificar novas epidemias antecipadamente ou avaliar a qualidade de assistência hospitalar pública e privada”, afirma.
Existem doenças que atingem órgãos difíceis de estudar enquanto o paciente está vivo, já que a retirada de tecidos é arriscada. Um exemplo são pacientes com câncer que apresentam problemas cardíacos por causa da quimioterapia. Algumas drogas são tóxicas ao coração.
Uma ideia do grupo será submeter pessoas que morreram desses problemas cardíacos a uma autópsia minimamente invasiva e obter amostras pontuais de tecidos do coração. “Esse trabalho pode ser feito rapidamente, em 15 ou 20 minutos, atrasando pouco a liberação do corpo para a família”, diz Saldiva.
Segundo Ilka Regina Souza de Oliveira, professora de radiologia da USP, uma das linhas de pesquisa será testar a autópsia menos invasiva no leito hospitalar.
“A UTI será a nossa porta de entrada no hospital. Precisamos validar cientificamente [o método] para ver se a autópsia tradicional poderá a vir a ser substituída.”
Outra linha de pesquisa é avaliar tipos de ultrassom e ver quais são os mais adequados para serem usados na necropsia. Há, inclusive, um portátil que se acopla a um smartphone e transmite as imagens via wireless.
“Podemos levar um ultrassom multifuncional tanto para uma UTI de qualquer hospital quanto para campo. Poderíamos ter usado, por exemplo, para checar se era febre amarela que estava matando pessoas em Minas.”
Para a advogada Roselle Soglio, especialista em perícias criminais, a biopsia menos invasiva poderia ser estudada também nos casos de mortes violentas, hoje a cargo do Instituto Médico Legal.
Mas ela acha difícil que a técnica substituta a dissecação nesses casos. “Imagens mais resolutivas antes de se abrir o corpo podem melhorar a qualidade de autópsias, que são muito mal feitas.”