O depoimento do delegado Mauro Gomes Dias — o primeiro a concluir que Elize Matsunaga havia assassinado seu marido, Marcos Matsunaga —, vinha transcorrendo de forma amistosa, nesta terça-feira (29/11), com os inquiridores — seja o promotor de Justiça José Carlos Cosenzo, seja o assistente da acusação, Luiz Flávio Borges D’Urso, seja o advogado de defesa Luciano Santoro.
Porém, o jogo virou quando Roselle Soglio, também representante de Elize, assumiu as perguntas. Enquanto Santoro atuou como good cop (policial bom), a advogada encarnou a bad cop (policial mau), recriando a dinâmica dos filmes policiais hollywoodianos. Do outro lado, porém, estava Dias, acostumado com esse ritual. O resultado foi a sessão mais tensa dos interrogatórios até o momento.
Na primeira parte de seu depoimento, o delegado contou que logo chegou à conclusão de que Elize era a assassina de seu marido. Primeiramente, porque as gravações do circuito interno do prédio onde moravam mostravam ele entrando, no sábado, mas não saindo, enquanto as imagens apontavam a mulher descendo com três malas.
Quando soube que Elize havia sido enfermeira de um centro cirúrgico, a convicção de Dias de que ela era culpada se fortaleceu, pois somente alguém com amplo conhecimento de anatomia faria cortes tão precisos como os que foram feitos em Marcos.
E a tese foi impulsionada quando entrou em contato com o reverendo René Henrique Gotz Licht, guia espiritual do casal, que logo declarou: “Você não precisa conversar comigo. Eu tenho certeza de que foi ela”. Isso porque ele sabia que a relação dos dois estava deteriorada e havia recomendado a Marcos Matsunaga que trancasse o quarto onde ficavam as armas.
No dia em que foi ao apartamento de Elize fazer busca e apreensão, encontrou os dois elementos que lhe deram certeza da autoria. Um foi o fato de encontrar roupas de grife similares às encontradas com os pedaços do corpo da vítima. Outro foi que esses membros estavam em um saco de lixo incomum: azul com uma fitinha vermelha para fechá-lo. Por isso, ele logo pediu a prisão dela.
Atendendo a pedido do assistente da acusação, Luiz Flávio D’Urso, o delegado também mostrou como funcionava a arma do crime na frente dos jurados. Conforme explicou, a pistola semiautomática 380 Imbel precisa ser carregada e destrava antes de atirar — atos que possibilitariam que Marcos Matsunaga se defendesse, se fossem executados na hora. Como a perícia aponta que ele foi pego de surpresa, a acusação sustentou que Elize deixou a arma pronta para o disparo quando seu marido desceu para pegar uma pizza — o que mostraria que o homicídio foi premeditado.
Na volta do almoço, Mauro Gomes Dias foi interrogado, de forma amigável, por Luciano Santoro. Nessa parte, o delegado afirmou que Elize “fez tudo sozinha” e que Marcos Matsunaga a humilhava constantemente. Instado a revelar os xingamentos que o marido dirigia à mulher, o policial recusou-se: “Há mulheres aqui no plenário”. Só disse que, antes de buscá-la no aeroporto no dia em que foi morto, o executivo relatou a um funcionário da Yoki que ia pegar “a louca”.
No entanto, a substituição de Santoro por Roselle no time da defesa mudou o ritmo do jogo. Logo de cara, ela questionou a informação, obtida pela família da vítima, de que o local de onde um e-mail de Marcos foi enviado após a sua morte era Brasilândia, bairro da zona norte de São Paulo.
— O senhor refez a pesquisa de IP para saber se ele era fixo ou móvel?
— Não – respondeu o delegado.
— Então o senhor tomou como verdade a informação da família do Marcos?
— Eu só tomei isso como verdade quando a Elize confessou.
— Se é assim, por que não acreditaram nela e foram inspecionar os lixos do Shopping Iguatemi [onde ela contou que jogou os restos do notebook por meio do qual enviou o e-mail]?
— Porque o shopping gera uma quantidade enorme de lixo a cada dia. Seria inviável.
— E por que não pediram as filmagens do circuito interno do shopping?
— Pela mesma razão, é inviável.
— Então vocês acreditam na palavra dela [Elize] quando interessa, e descartam quando não interessa? – atacou a advogada, recebendo como resposta a garantia de que o delegado executava seu trabalho corretamente.
Em seguida, Roselle Soglio indagou se a reprodução simulada do crime (prevista no artigo 7º do Código de Processo Penal) já poderia ser feita no segundo dia após Elize confessar o crime. Isso porque, geralmente, essa medida só é tomada quando o delegado tiver “domínio total das informações”, ressaltou a advogada.
— Mas o perito já tinha domínio total dos fatos – argumentou Mauro Gomes Dias.
— Se tinha, vocês sabiam que o sangue encontrado no porta-malas do carro de Elize não era humano?
— Estou sabendo disso agora.
— Hmm. E por que as câmeras do condomínio não foram periciadas?
— Senão o julgamento iria ocorrer em 2090! O Instituto de Criminalística não tem a menor condição material e de pessoal para fazer isso. Hoje em dia, nem áudio a gente manda para eles transcreverem.
— E o local do crime foi preservado?
— Não, mas eu só entrei nas investigações 10 dias após o ocorrido.
Insistente, Roselle pediu que o delegado de polícia repetisse os xingamentos de Marcos Matsunaga contra Elize. Mais uma vez, Dias recusou-se a fazer isso. Mas ela fez questão, e ele enumerou as ofensas: “Puta de quinta categoria”, “Só servia para abrir as pernas”, “Seu pai é um vagabundo, jamais deixaria minha filha ser criada nessa ambiente”. Ouvindo esses insultos, Elize caiu no choro.
O tenso interrogatório prosseguiu, com Roselle fitando Dias de cima para baixo (ele estava sentado), imóvel. “O que é disparo a longa distância?”, questionou. Ele apontou que era aquele que não tinha zona de tatuagem (marca causada pela pólvora na pele do atingido de perto). Anteriormente, o policial tinha afirmado que o tiro que atingiu a cabeça de Marcos Matsunaga havia sido disparado a curta distância, de 15 a 20 centímetros.
Porém, a advogada disse que a cabeça do executivo (que nesse momento estava sendo mostrada no telão) não tinha essa distinção. Mas, “se lavar, dá para ver”, sustentou o policial. “Aí ele já está lavado”, ressaltou Roselle. “Mas tem outras fotos melhores em que dá para ver isso”, assegurou o delegado. Tais imagens não foram exibidas.
O passo seguinte da ofensiva de Roselle foi colocar em dúvida o conhecimento de Dias sobre o assunto.
— Existe zona de tatuagem falsa?
— Não sei.
— O senhor fez curso de medicina legal?
— Não, mas sei mais do que muito perito por aí – irritou-se o policial.
— Responda objetivamente: o senhor fez curso de medicina legal? –repetiu a advogada, aumentando o tom de voz.
— Eu vou responder se a doutora não me interromper – justificou Dias, gerando risadas da plateia.
A tensão ainda permanecia no ar, entretanto, e Roselle insistiu: “Se eu disser que o laudo de exumação apontou que o disparo foi de média a longa distância, o que o senhor me diz?”. “Não sou perito, mas pela minha experiência, foi de curta distância”, respondeu.
Aí o juiz presidente do Tribunal do Júri, Adílson Paukoski Simoni, da 5ª Vara do Júri de São Paulo, achou que a advogada estava exagerando. “Doutora, essa é a sua opinião. Deixe ele ter a dele”, e determinou que ela seguisse adiante. Menos agressiva, Roselle Soglio fez mais quatro perguntas e foi substituída na condução das questões da defesa.
As outras testemunhas ouvidas nesta terça foram o irmão de Marcos, Mauro Matsunaga, e o executivo da Yoki Luiz Carlos Lózio. Ambos pediram para depor sem a presença de Elize no recinto.
O primeiro contou que a vítima era calma, tratava todos com respeito e dava uma “vida de princesa” à sua mulher. Questionado por D’Urso se tinha saudades de Marcos, Mauro chorou. “Foi muito doloroso. Ele era meu único irmão.”
Já Lózio relatou como desenvolveu uma investigação por conta própria enquanto a Polícia Civil ainda dizia que era preciso esperar o prazo para um desaparecido retornar antes de intensificar as apurações.
Elize Matsunaga é ré confessa por matar e esquartejar seu marido, Marcos Matsunaga, após descobrir que vinha sendo traída. Por isso, ela foi pronunciada por homicídio qualificado por motivo torpe, meio cruel e recurso que dificulte a defesa da vítima (artigo 121, parágrafo 2º, incisos I, III e IV, do Código Penal) e destruição e ocultação de cadáver (artigo 211 do Código Penal). Desde 2012, está presa preventivamente na Penitenciária do Tremembé (SP).
Uma vez que Elize admitiu os crimes, a disputa é se ela deve ser condenada por homicídio qualificado (objetivo do Ministério Público, que pode levar a pena a até 33 anos de prisão) ou pela assassinato sob o domínio de violenta emoção (estratégia da defesa que poderia diminuir a punição em até um sexto, conforme o parágrafo 1º do artigo 121 do Código Penal).
No primeiro dia de julgamento, a babá Mauriceia contou que, na volta de Chopinzinho (PR), Elize parou em uma loja de ferramentas e adquiriu uma pequena serra elétrica. O objetivo era usá-la para abrir caixas de vinho, destacou a ré na ocasião.
Para a acusação, esse artefato foi usado para desmembrar o corpo de Marcos, e o depoimento de Mauriceia fortalece a tese de que o crime foi premeditado. A defesa, por seu turno, alega que o homicídio ocorreu sob forte emoção pelo descobrimento da traição do executivo, e que uma faca de cozinha, e não a serra elétrica, foi usada para desmembrar seu corpo. A perícia não chegou a uma conclusão sobre essa questão.
Contudo, tanto Mauriceia quanto sua filha Amonir disseram que Elize era generosa e ajudou-as várias vezes, seja pagando um tratamento de saúde para o filho desta, seja dando uma viagem a Recife para aquela. Além disso, as duas disseram que o casal não estava bem e brigava constantemente.
Última testemunha do dia, o detetive particular William Coelho disse que, quando foi contratado por Elize, ela já sabia que estava sendo traída por seu marido, mas que queria uma confirmação do adultério. Assim, ela pediu que o profissional filmasse “a cara” da amante.